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3 - O livro

Subia os degraus de dois em dois, saíra o quanto antes da aula terminar depois que viu que sua encomenda enfim havia chegado. Não fazia ideia do conteúdo do livro, mas quando o tinha visto em um anúncio online se sentiu compelido a comprá-lo e agora o teria em suas mãos.

Morava no terceiro andar de um prédio antigo, era próximo o suficiente do campus da Universidade e barato, vez ou outra apareciam goteiras, o assoalho já velho fazia seus estralar durante a noite e mesmo assim, considerava ali seu lar. Chegando em frente a porta de seu apartamento viu o embrulho, viera embalado em um papel pardo grosso e ao contrário de qualquer outro havia um fio grosso o lacrando em diversas direções. Pegou o livro se surpreendendo com o peso do objeto que contrastava com seu pequeno tamanho, então destrancou a porta e trouxe-o consigo.

Segundo o anunciante que não revelou muito sobre o conteúdo da publicação, dizia que ali continham as mais surpreendentes histórias sobre o universo fantástico, que o livro havia chegado até ele por meio de uma herança, mas que não o interessava manter tal objeto em sua casa. O jovem que era apaixonado por mistério logo quis descobrir o conteúdo do livro e sem pensar duas vezes o comprou.

Deixou a mochila num canto e o livro em cima da mesinha com seus materiais de estudo, pegou uma maçã na geladeira e finalmente sentou e se permitiu enfim explorar sua mais nova aquisição. Com um pouco de força conseguiu romper o fio e rasgou o papel, deu uma mordida na maçã e abriu o livro. Olhava surpreendido para a primeira página enquanto ia para mais uma mordida na fruta e então o que leu ali fez-lhe parar a ação no meio soltando a fruta que caiu na mesa e quicou indo ao chão.

Pegou o livro como se fosse uma tábua da salvação, entretanto as palavras escritas – sim, o tal livro não havia sido impresso, mas escrito em uma caligrafia nada elegante – traziam nada mais que a sua perdição. Se sentou pesadamente na cama e nem se importou de tirar os sapatos, aquilo que tinha em mãos era muito mais importante.

As primeiras luzes da manhã batiam em seu rosto ainda desperto, ele não havia fechado as cortinas, na verdade, não havia movido seu corpo para nada além de virar as páginas do livro. Seus olhos estavam avermelhados e sua respiração superficial, as coisas que havia lido tão vivas em sua mente quanto o sol que despontava ao longe, os horrores escritos e os sofrimentos daqueles indignos, ele sabia que aquelas pessoas mereciam o que tinha-lhes acontecido, também descobriu pelo majestoso livro que ele era um dos escolhidos e cabia-lhe o fardo de tamanho conhecimento. Agora ele possuía as respostas de seu grandioso futuro.

Os dias passaram-se e sua rotina foi esquecida, comeu os restos da comida da geladeira e até algo de aparência e gosto duvidoso, mal dormira e agora olheiras acompanhavam sua face, mas nada daquilo importava-lhe. Não lembrava nem da existência de seu celular ou das aulas que faltava, o que importava era o livro, ele possuía o livro e aquilo era tudo. Apesar da aparente solidão, ele não estava só, uma voz agora o acompanhava, sussurrava em sua mente incitando-o a fazer coisas e contando coisas que já aconteceram ou que ainda aconteceriam. Em sua mente ele testemunhou horrores, mas também as promessas do Mestre do livro.

De repente, por um momento voltou a si e seus olhos tinham um brilho estranho, em um rompante levantou e enfiou apressadamente parte da camisa de volta para dentro da calça e pegou suas chaves, voltou até o livro pegando-o apressado, destrancou a porta e saiu batendo-a sem se preocupar em trancar.

Andava apressado pelas ruas, as poucas pessoas que já estavam na rua pareciam não vê-lo, era como se seus olhos fossem repelidos para a figura do rapaz e ele não existisse. Uma quadra antes de chegar ao seu Campus trombou numa esquina com alguém, não levantou o rosto, porém a voz da outra pessoa o despertou de seu torpor por alguns instantes.

- Francis? - a voz era de surpresa. – O que houve com você?

Olhou para o homem que o encarava, ele tinha no rosto linhas da idade, mas seu cabelo bem arrumado e seu olhar feliz lhe davam uma aparência jovial. Levou algum momento para se lembrar quem era o homem, foi então que a voz sussurrou em sua cabeça.

- É o Carlos, ou você esqueceu de seu professor preferido? Ande logo! Livre-se dele!

- Olá professor, eu... eu tenho que ir – balançava a cabeça estranhamente sem olhar para o homem e então, deixou o professor falando sozinho ali sem que lhe dirigisse novamente a palavra.

Voltou a andar apressadamente para o prédio da Universidade, ignorou alguns colegas que o chamavam e ao invés de ir a biblioteca que em sua mente era seu destino, entrou no corredor e começou a subir as escadas da saída de emergência. Os cinco andares até o terraço cobraram seu preço quando passou pela porta e sentiu o ar puro em seu rosto, seus pulmões queimavam e enfim os dias passados na companhia do livro cobravam seu preço.

- Falta pouco, não desista agora! – a voz o incitava e então ele percebeu o que o Mestre queria e vacilou o seu caminhar.

- Mas quero servi-lo Mestre! – falou sozinho.

- Submeta-se a mim Francis! Venha me servir no lugar onde estou... venha me servir... submeta-se!

Andou até o beiral, subindo o degrau conseguiu olhar lá para baixo, enquanto isso a voz continuava a incitá-lo e antes de dar um passo para a morte soltou o livro no chão do terraço, olhou para o horizonte e se impulsionou para o vazio. Poucos instantes antes de seu crânio atingir o concreto ele mudou seu olhar e voltou a si, então foi ouvido o baque do corpo entrando em contato o cimento.

Lá em cima no chão o livro jazia caído, então aconteceu, o tal professor havia seguido o rapaz, ele tinha ouvido uma voz em sua cabeça mandando-o seguir o aluno. Passou pela porta deixada aberta e ouviu uma gritaria vinda lá de baixo, mas ele ignorou, o objeto no chão o convocava à segurá-lo. Andou vagarosamente até o livro e abaixou-se pegando o objeto sentindo um tremor percorrer seu corpo enquanto sentia o peso do livro. Agora sim, o Mestre encontrara alguém com capacidade de libertá-lo.

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