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4 - Nem tudo é o que dizem

Ao contrário do que muitos acreditam, Eva não foi a primeira esposa de Adão assim como o Éden não era literalmente um jardim e eles também não foram os primeiros humanos. No princípio havia Lilith.

A mulher de cabelos negros andava próxima do rio que mantinha a vida na região, vestia uma túnica grossa e tinha em mãos uma cesta com tâmaras, figos e algumas damascos, a pequena tenda que dividia com seu companheiro um pouco mais a frente. O homem de feições sérias e barba escura limpava a carne de cabrito que serviria de alimento para eles com uma adaga rústica, ela se aproximou dele e sentou-se.

— Colhi o que achei suficiente para nós. – estranhou que o companheiro não respondeu e muito menos levantou o olhar para encará-la. Não era comum que agisse dessa forma distante.

Apesar de querer entender o que se passava preferiu manter-se em silêncio e optou por auxiliá-lo, juntou os gravetos para a fogueira que acenderiam quando ele terminasse de preparar a carne. Foi quando acendia a chama que ele falou:

— O Senhor veio a mim e me disse que deveria tomar uma segunda esposa. – percebendo a expressão de surpresa da mulher prosseguiu. – Visto que ainda não conseguimos gerar um primogênito.

— Adão, pensei que me amava e que isso era mais importante do que qualquer outra coisa.

Uma luz anormal para aquelas horas finais do dia surgiu acima da cabeça deles, um ancião alado desceu até eles, parou um pouco distante e a olhava de forma severa. Uma voz chegou até eles, mesmo que a criatura não houvesse aberto os lábios, a voz era grave e não deixava espaço para dúvidas era o Senhor com quem Adão conversava.

— Não deves desobedecer a seu companheiro e muito menos desobedecer a teu Criador! Adão terá uma segunda esposa, pois assim está decidido Lilith.

Ouvir seu nome com tal ordem a incomodou, aquele Ser não vivia com eles, não participava de suas tarefas e nem de seus momentos de amor e então, vinha para mudar toda a dinâmica que ela e o companheiro construíram pois assim era sua vontade? Aquilo tudo era muito errado e ela nem sabia por onde começar a enumerar.

— Isso tudo por causa por que não geramos uma criança?

— Exato! Como seu ventre e você não parecem ser capazes de tal milagre, uma segunda mulher Adão deve desposar.

— Mas e se for por culpa dele e é ele quem não pode me ajudar a gerar uma criança? Terei eu o direito de um segundo companheiro?

Adão que ficara em silêncio desde a chegada do ancião estava boquiaberto e o Ser alado não ficara para trás. Oras, se todo o arranjo dependia de duas pessoas por que seria tudo culpa dela?

— Blasfêmia! – bradou o ancião apontando o indicador em sua direção. – Você deve seguir o que digo, pois eu sou a verdade e a vida. Sua petulância não passará e aqui e agora eu a expulso deste lugar e da companhia de Adão. Vás-te embora daqui e maldita seja Lilith que desafiou ao Senhor!

Enquanto ele falava, nuvens escuras cobriam as estrelas que haviam e por um instante a jovem mulher olhou para seu companheiro em busca de defesa, porém o que encontrou foi uma homem de cabeça baixa sem sequer ter a coragem de se posicionar. A desolação com tamanha covardia deu lugar a ira e ao ódio.

— Tua vida não será nem de perto feliz como foi comigo Adão.

Andou até a tenda onde pegou um saco de couro e colocou as frutas que havia colhido mais cedo para a ceia e um outro para encher de água assim que chegasse novamente perto do rio. Deixou o lugar sem olhar para trás, a ira consumindo-lhe os pensamentos, não acreditava que tudo aquilo estava acontecendo com ela.

Vagou por um tempo pelas margens do rio até que seus pés cansaram, sentou-se, pegou algumas frutas para comer e foi nesse momento que um homem jovem como ela surgiu sentado ao seu lado assustando-a. Lilith se levantou apressada olhando para o visitante sem entender como ou de onde ele surgira.

— Não estou aqui para lhe fazer mal algum. – falou com uma voz suave como se tivesse lido seus pensamentos.

— Quem é e o que faz aqui?

O homem sorriu satisfeito, mesmo que ela o tenha respondido ríspida. Inclinou a cabeça de lado analisando-a, em seu olhar não encontrou nenhum sinal do que ele poderia estar pensando. Talvez cansado do olhar curioso da mulher, enfim quebrou o silêncio.

— Ele te expulsou, não é? Não é nenhuma novidade devo lhe dizer. Aconteceu o mesmo comigo.

— E quem é você?

— Sou algo parecido com ele, mas uns níveis mais abaixo. Sou humilde. – gesticulou com as mãos. – A questão aqui é, vai deixar que isso defina o seu destino?

Não havia nada o que ela pudesse fazer para mudar o que aconteceu, não sabia onde estava a comunidade mais próxima e por quanto tempo sobreviveria sozinha, não por falta de capacidade, porém havia perigos que apenas uma pessoa não daria conta de se proteger. Olhou questionadora para o homem e decidiu apostar na sorte.

— Pela sua visita acredito que tenha alguma saída para este meu infortúnio.

— Muito perspicaz da sua parte, minha querida. E sim, vim para lhe fazer uma oferta, veja bem, não gosto daquele Senhor e com isso você pode se dar bem.

Agora ele tinha sua curiosidade e interesse.

— Vem comigo e nunca envelhecerá. Ele cobrou-lhe a geração de filhos? Pois bem, essa parte eu mesmo resolverei daqui alguns anos com seu antigo companheiro, lhe garanto. Adão a trocou por outra sem hesitar? Lhe farei ser a mulher mais desejada entre os homens, até a vida eles entregaram a ti se pedir.

A oferta de fato era praticamente irrecusável, entretanto, não fazia sentido dar tanto e não exigir nada em troca. Poderia ser sim algum problema entre os dois seres, mas ainda assim, era muito o que ele oferecia.

— E o que tenho que lhe dar em troca? – ele sorriu malicioso com a pergunta.

— Você vai trabalhar para mim, fará serviços onde minha influência não alcance. Pode considerar isso como uma parceria, mas de outra natureza, o que me diz?

Ele então estendeu a mão para ela, sorria galante e talvez, só talvez por ainda estar ferida e com raiva do acontecimento mais cedo, ela cedeu. Lilith então estendeu sua mão alcançando a do outro homem e quando o tocou eles foram desaparecendo dali.

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